quarta-feira, 1 de junho de 2011

Poema de Carlos Drummond de Andrade

 

Aos navios que regressam
marcados de negra viagem,
aos homens que neles voltam
com cicatrizes no corpo

ou de corpo mutilado,

peço notícias de Espanha.

Às caixas de ferro e vidro,
às ricas mercadorias,
ao cheiro de mofo e peixe,

às pranchas sempre varridas
de uma água sempre irritada,

peço notícias de Espanha.

Às gaivotas que deixaram

pelo ar um risco de gula,
ao sal e ao rumor das conchas,
à espuma fervendo fria,

aos mil objetos do mar,
peço notícias de Espanha.
Ninguém as dá. O silêncio
sobe mil braças e fecha-se
entre as substâncias mais duras.
Hirto silêncio de muro,

de pano abafando boca,

de pedra esmagando ramos,

é seco e sujo silêncio
em que se escuta vazar
como no fundo da mina

um caldo grosso e vermelho.

Não há notícias de Espanha.


Ah, se eu tivesse navio!
Ah, se eu soubesse voar!

Mas tenho apenas meu canto,
e que vale um canto? O poeta,

imóvel dentro do verso,
cansado de vã pergunta,
farto de contemplação,

quisera fazer do poema
não uma flor: uma bomba

e com essa bomba romper

o muro que envolve Espanha.
 

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